Coaching de Intervenção Comportamental – Técnicas para tomada de consciência e enfrentamento das estratégias de preservação do mau hábito

A tomada de consciência é a base do processo de mudança em quase todas as metodologias que propõem algum tipo de intervenção comportamental, terapêutica ou educacional. É comum a esses programas iniciarem seus processos pelo entendimento do nível de consciência do “cliente”, sobre a sua própria dificuldade ou problema, e o quanto realmente estão dispostos a mudar. 

Nos processos de coaching, temos observado que, em mais de 15% dos casos, ocorre uma forte distorção entre a percepção do coachee sobre os seus pontos de desenvolvimento e sua performance profissional, ao compararmos com a percepção que o gestor tem sobre esses dois pontos.

Isso exige do Coach a capacidade de conduzir um processo de tomada de consciência que passa, inicialmente, pelo reconhecimento por parte do Coachee da existência destas diferentes percepções para, a partir disto, conduzir um processo que permita a proximidade de entendimento que, em algumas vezes, se dará pela ampliação da consciência do Coachee e, em outras, pelo alinhamento entre Gestor e Coachee.  

Mas esse processo de tomada de consciência não se limita a trazer à superfície os pensamentos e sentimentos inconscientes.  Esse processo também é o responsável por melhorar o conhecimento sobre si próprio, sobre a forma como o problema está lhe afetando ou pode lhe afetar no futuro, sobre a própria natureza do problema ou, até mesmo, como se dá o processo de mudança. Isso tudo sensibiliza a sua consciência e faz parte da transformação.  Se, por exemplo, o Coach falar para o Coachee sobre os nove processos de mudanças e suas seis etapas, propostos por Prochaska e Diclemente, inseridas no contexto do processo de coaching, estará contribuindo para a ampliação do nível de entendimento e consciência sobre como a mudança ocorre, incluindo nisso o entendimento sobre as resistências a mudança, a recaída e a manutenção e, assim, ajudando ele a aprender a lidar melhor com todos esses fenômenos.  Além disso, a ampliação da consciência poderá ser utilizada como fator motivacional.

De forma simplificada o ser humano é motivado basicamente por duas formas: por algo que proporcione prazer ou por algo que lhe afaste da dor.  

Nesse sentido, o Coach poderá fazer perguntas sobre os prejuízos que os comportamentos e atitudes inapropriadas terão na carreira do Coachee e, por consequência, na sua vida profissional e pessoal. O Coach poderá também utilizar ferramentas como o “Ganhos e Perdas”, mostrando o que ele ganha e o que ele perde mantendo os atuais comportamentos e, da mesma forma, se realizar a mudança.   Poderá ainda utilizar a ferramenta “Campo de Força Psicológico” (Teoria do Campo Força de Psicológico, de Kurt Lewin), mostrando quais são os fatores que impulsionam e favorecem a mudança e quais são os fatores que restringem e dificultam a mudança.

Outro ponto para a tomada de consciência é o das estratégias que usamos na preservação dos comportamentos problemáticos. Para iniciar um processo de mudança, o primeiro passo é tomar consciência dos truques mentais que mantêm o comportamento indesejável. 

Existem vários tipos de manifestações de defesas que são utilizadas inconscientemente para justificar a manutenção de comportamentos supostamente “indesejáveis”.

Entre as estratégias de defesas que aparecem com mais frequência estão: negação e minimização; racionalização e intelectualização; terceirização e vitimização; internalização e culpabilidade. 

Faça o exercício abaixo e entenda as respostas que representam as defesas comumente utilizadas(1):

Situação: Você recém chegou a uma cerimônia importante e está sendo apresentado(a) a uma pessoa que você admira e que há muito tempo queria conhecer, quando de repente alguém tropeça e salpica suco em sua roupa. Possíveis respostas:

  1. Sorrio, enquanto me limpo, como se nada tivesse realmente acontecido.
  2. Encolho os ombros. Afinal, coisas assim são inevitáveis numa festa.
  3. Praguejo contra a pessoa que virou o copo de suco.
  4. Recrimino-me por não ter visto a pessoa se aproximando e por ter me esquivado da situação.
  5. Faço com que a pessoa que virou o suco saiba que não me importei, que não foi nada de especial.
  6. Faço uma pequena brincadeira sobre o ocorrido e sigo como se nada tivesse ocorrido.
  7. Ofendo a pessoa que derrubou o suco.
  8. Castigo-me mentalmente por estar demasiado perto da pessoa que derrubou o suco.
  • As respostas 1 e 5 exemplificam a NEGAÇÃO e a MINIMIZAÇÃO. Estratégias de defesa em que a pessoa busca se convencer de que não existe um problema ou, pelo menos, que o problema não é algo que mereça uma maior atenção ou relevância.
  • As respostas 2 e 6 exemplificam a RACIONALIZAÇÃO e a INTELECTUALIZAÇÃO. Estratégias de defesa para manutenção do comportamento indesejável que buscam justificar a situação.
  • As respostas 3 e 7 exemplificam a TERCEIRIZAÇÃO e VITIMIZAÇÃO, onde claramente o indivíduo volta-se para fora, responsabilizando outras pessoas pelo que está ocorrendo consigo.
  • As respostas 4 e 8 exemplificam a INTERNALIZAÇÃO e CULPABILIDADE, onde a estratégia de defesa é o castigo a si próprio ou a culpa, menosprezando-se, repreendendo-se ou punindo-se.

É possível que uma pessoa utilize diversas estratégias para justificar a manutenção de um mesmo comportamento ou utilize uma mesma estratégia como padrão para seus diversos comportamentos indesejáveis. Porém, somos tendencialmente consistentes, ou seja, a estratégia tende a se repetir. Veja o exemplo de John Norcross, que é um intelectualizador consistente, sempre pronto para dar explicações que justificam os seus comportamentos problemáticos. Veja uma conversa típica entre ele e um amigo:

Amigo: Olá, John, parece-me que estás engordando

John: Estou, não faço exercício suficiente. Tenho andado muito ocupado escrevendo.

Uma boa justificativa, mas não resolve o problema, pelo contrário ameniza a pressão por uma iniciativa em resolvê-lo. Em outras situações diversas, John relata utilizar essa mesma estratégia:

Nancy (mulher de John): John, andas passando muito tempo na clínica e pouco tempo com a família.

John: Tens razão. O tempo é curto. Tenho andando muito ocupado escrevendo e vendo os doentes.

Mais uma vez, John utiliza estratégias que são verdadeiras, fazem sentido, justificam o momento, mas que não mudam a realidade por não promoverem novos comportamentos. Pelo contrário, reforçam e consolidam que a situação atual é necessária, embora indesejável.

“A simples conscientização de nossos “truques-mentais” ajuda-nos a controlá-los (2) ”

A conscientização de nossos “truques-mentais” abre uma janela importante para a mudança. O Coach deve abordar esse assunto com o seu cliente, buscando a identificação. É bem importante que o Coachee se perceba nas estratégias mencionadas ou que encontrem juntos quais são as outras estratégias que estão sendo utilizadas para a manutenção dos comportamentos problemáticos, mesmo que sejam diferentes das apresentadas aqui. Isso promoverá uma abertura para a mudança. O Coach deve aproveitar essa sensibilização (janela de mudança) para construir imediatamente um plano de ação que leve a novas práticas e compromissos, evitando que essa oportunidade se perca. 

Boa sorte!

[1] Adaptado de Mudar para Melhor (J. Prochaska, J. Norcross & C. Diclemente)

[2] Prochaska, James O.; Norcross, John C.; Diclemente, Carlo C.; MUDAR PARA MELHOR – O Método Revolucionário para Ultrapassar Maus Hábitos e Seguir em Frente na Vida